Calçadão da Rua Halfeld vai perder o seu "Glamour"

Um dos estabelecimentos mais tradicionais de Juiz de Fora não resiste aos altos preços de alugueis e fechará no fim de maio

Lucas Soares
Repórter
2/02/2015

Uma das lojas que faz parte do dia a dia do Calçadão da Rua Halfeld, no Centro de Juiz de Fora, irá encerrar suas atividades no fim de maio deste ano. Após 61 anos de história, os primos libaneses Mukaiber Miana, 82, e Mtanos Miana, 80, decidiram fechar a Glamour, na esquina da Halfeld com a Galeria Pio X e, enfim, se aposentarem.

Segundo Mukaiber, a principal causa do fechamento da loja é financeiro. "O aluguel foi lá em cima e o movimento foi lá em baixo. Nós vamos trabalhar de graça? Nós viemos pra Juiz de Fora em 1950, abrimos a loja em 1954 e desde então trabalhamos sem parar, sempre pagando nossos impostos e mantendo tudo em dia", diz.

O advogado Jadir Machado, um dos clientes mais fiéis da loja, fala que ficou incrédulo quando soube da notícia. "Quando me avisaram, eu sai daqui sem querer acreditar. Mas infelizmente é verdade. Conheço-os desde 1959, quando trabalhava na contabilidade da empresa. Eu sou testemunha do nascimento e do morrimento (sic) da loja. Com o fechamento, nós estamos perdendo o carinho e a simpatia dos dois", revela.

Filho do Mukaiber, o educador físico Ronaldo Miana, cita outros motivos. "Meu pai tem 82, meu tio 80, eu trabalho na Acispes, meu irmão é engenheiro, meu primo é dentista. Como você vai continuar um negócio se a pessoa que vai pegar não vai ter muito tempo para tocar? O aluguel, se fosse para uma pessoa mais nova, pegaria. Mas eles já estão cansados, afinal, são 61 anos. Eles ficaram 35 dias no meio do mar para chegar ao Brasil, conseguiram credibilidade aqui no país e a sociedade de 61 anos durou muito. Modificou a vida de muitas famílias. Depois que eu coloquei o anúncio que ia fechar no Facebook, foram mais de 100 compartilhamentos. Eu fiquei chorando lendo todas aquelas lembranças", comenta.

Para Mukaiber, a decisão de fechar a loja aconteceu de forma natural. "Nós somos dois, há 61 anos com a loja aberta. Não é brincadeira esse tempo todo aberto. Nós nunca brigamos, discutimos, não tem nada disso. Cada um faz a sua obrigação e pronto. Mas o negócio chega em um ponto que não é só o aluguel não. Nós já estamos super cansados. A gente pagava R$ 6.500 e de repente passou pra R$ 15.000. De um ano para o outro foi só subindo, subindo, subindo... Não dá. Depois que a China entrou no ramo de roupa, não tem como dar conta. Esse é o nosso problema. Temos saída, mas não queremos mais trabalhar, não temos mais ninguém para ficar no nosso lugar e já estamos cansados. Um homem de 82 anos trabalhando sendo que não precisa? Acordar 7h, fazer barba, e vir aqui chegando às 8h e indo até às 18h30? Agora eu quero descansar", revela.

Todas as peças, com exceção da perfumaria, estão com descontos de 25% para "entrega das chaves" da loja, marcada para o fim de maio. "Nós temos mercadoria de primeira, aplicadas sobre o preço real do produto. Tudo aqui é tabelado, então o desconto é real. Teve gente que já entrou hoje aqui e saiu com seis sacolas. Na fábrica hoje você não compra por esse preço que estamos vendendo", comenta Mukaiber.

História

O sócio Mtanos conta um pouco de como foi a história dos primos libaneses. "Nós chegamos no Brasil, ele com 17 e eu com 16 anos, em 1950. Eu trabalhei na Casa Miana e ele na Imperial, até pra aprender língua. Depois de três anos e meio, nós abrimos a loja número 63 dentro da Galeria Pio X. Em 1959, viemos pra cá. A gente explorou o ramo do comércio em uma época áurea, aqui vivia cheio. Chegamos a abrir outras duas lojas, mas na verdade é que no final tudo que nasce, morre", diz.

Os primos também se aventuraram pelo ramo de construção civil. "Nós fizemos alguns prédios, casas. Vendemos tudo. Fomos bem sucedidos. Nós não estamos parando pela economia. A idade chegou. Qualquer serviço que você começa, um dia vai acabar", explica. Os planos, com o término da loja, é viajar na parceria do sócio. "Nunca viajamos juntos porque sempre que um ia, o outro tinha que ficar. Quem sabe a gente não volte ao Líbano e tenha uma festa de recepção depois de vencermos juntos? Queremos passear e voltarmos juntos. A gente tem uma família muito grande lá. Todos os dias nos falamos pelo Facebook, Skype, telefone... Essas facilidades deixaram tudo melhor. Eu tenho um irmão dentista que nasceu depois que vim pra cá e só fui conhecê-lo 22 anos depois de nascido", conta.

Mtanos, no auge dos seus 80 anos, diz que essa é uma decisão difícil. "Eu tenho uma amizade muito grande com muita gente e são pessoas que vão me fazer falta. Gente que convivia diariamente, vou passar a ver uma ou duas vezes por mês. Eu tenho um prazer enorme de dizer que nunca paguei uma duplicata com atraso de um dia, um aluguel com atraso, nunca tivemos uma reclamatória trabalhista, nunca fomos multados pelo estado. A ética comercial foi o nosso lema", conclui.

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