SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O eleitorado da Amazônia Legal representa apenas 12,3% dos votos do Brasil, mas tem decisão de grande impacto: escolhe quem irá gerir nos âmbitos estadual e municipal mais da metade do território do país, onde se concentra a maior floresta tropical do mundo.
A região reúne nove estados --Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins--, com 59% (mais de 5 milhões de km²) da área total do Brasil.
Historicamente, a região vota mais no PT nas eleições presidenciais. Em 2018, de acordo com os dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), 51,3% dos amazônidas escolheram Fernando Haddad, do PT, contra 48,7% Jair Bolsonaro, à época do PSL. No geral do país, Bolsonaro venceu com 55,1%, enquanto Haddad chegou a 44,9%.
Assim também foi o resultado das eleições de 2014 e de 2010, com maioria na Amazônia a favor de Dilma Rousseff (PT), e, em 2006 e 2002, de Lula (PT).
Há, no entanto, um movimento à direita, observa o cientista político Alberto Carlos Almeida, autor do livro "O Voto do Brasileiro" (Record). A maioria da população de Manaus, cidade com o maior número de eleitores na região, por exemplo, trocou de lado na eleição de 2018 e votou em Bolsonaro.
Essa mudança também é destacada por Ivan Henrique de Mattos e Silva, professor de ciência política da Unifap (Universidade Federal do Amapá) e vice-coordenador geral do Legal (Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal).
"De 2002 para cá, em especial de 2010 para cá, a gente também verificou [nos trabalhos de pesquisa do grupo] uma trajetória conservadora do voto. Isso para todas as esferas, em todos os pleitos. Houve uma tendência bastante pronunciada de caminho rumo à direita, numa região que tendia a votar sempre com a esquerda", afirma.
Para uma maior conservação da floresta amazônica, o voto de quem vive na região é relevante em todas as esferas, para além da polarização em torno da disputa presidencial. Isso porque a legislação e a implementação de medidas para o cuidado do bioma não são responsabilidade apenas da União --há participação essencial também de estados e municípios, além do papel dos congressistas que representam as unidades da federação.
Um exemplo que ilustra bem a questão é a recente avaliação de aliados de Lula sobre um possível destravamento do Fundo Amazônia --criado em 2018, ele financiou projetos socioambientais de organizações da sociedade civil e públicas.
Com a extinção de dois órgãos de governança do fundo pela gestão de Bolsonaro, o comitê orientador e o comitê técnico, os valores foram congelados. Em dezembro de 2021, R$ 3,2 bilhões estavam parados, de acordo com relatório da Controladoria-Geral da União.
Em caso de vitória de Lula e de um possível destravamento do fundo, a eficiência das ações pró-meio ambiente ainda dependerá também do empenho de governadores e prefeitos que gerem projetos com esses recursos.
"Parte da competência administrativa em matéria ambiental, que é competência do Executivo, é estadual. Existem alguns temas como, por exemplo, o Código Florestal. Majoritariamente, ele é aplicado pelos estados e, mais que isso, é regulamentado pelos estados", explica Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA (Instituto Socioambiental) e professor de direito ambiental.
Outro ponto importante para os próximos eleitos é a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2028, anunciada na última Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP26, pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite.
Para a redução da taxa de desmatamento, como ocorrido entre os anos de 2008 e 2012 da gestão do PT, quando o índice caiu de 12,9 mil km² para o menor da série, de 4.500 km², especialistas ouvidos pela Folha apontam como medida prioritária o fortalecimento da fiscalização em campo, principalmente do Ibama.
Guetta explica que, apesar de o Ibama ser um órgão federal, os futuros governadores também têm parte a cumprir.
"As autuações, os autos de infração dos estados, deveriam ser informados em tempo real para constar no Sinaflor [Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais] e assim a gente teria um monitoramento fiel de como está a gestão pública ambiental, incluindo os estados, não só o Ibama. Muitos deles são uma caixa preta porque não sobem os dados", explica.
Há, ainda, a necessidade de implementação efetiva do CAR (Cadastro Ambiental Rural), uma ferramenta autodeclaratória criada pelo governo federal em 2012. Nela, o suposto proprietário de terras informa que é dono de determinada área. Depois, a confirmação fica a cargo do governo.
O resultado: mais de 29 milhões de hectares foram registrados no CAR em sobreposição a áreas protegidas, como terras indígenas e unidades de conservação. O dado consta em estudo que foi divulgado em maio deste ano pelas pesquisadoras Cristina Leme Lopes e Joana Chiavari, da Climate Policy Initiative da PUC-Rio.
"Sabemos que já temos boa parte das propriedades cadastradas, mas menos de 2% delas estão validadas. Então, existe um abismo entre o que diz a lei e a sua implementação. Como essa implementação cabe majoritariamente aos estados, salvo algumas exceções, a decisão [do eleitor da Amazônia] de agora pode ter impacto também nisso", avalia Guetta.
Mas, afinal, qual é o perfil de quem mora e vota na Amazônia Legal?
É um eleitorado levemente mais feminino (52,7%) do que o do Brasil como um todo (51,1%). Além disso, tem uma proporção maior de pessoas de 18 a 35 anos (37,8%) e é mais rural (27,6%), na comparação com o cenário geral do país (32,5% e 15,6%, respectivamente).
Apesar da ligação maior com o ambiente rural, ao investigar a preocupação específica com a causa ambiental na população da Amazônia, um trabalho do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal identificou um ponto importante: o eleitorado não cita espontaneamente a pauta ambiental como motivadora da escolha do voto.
"Quando as pessoas são perguntadas a respeito das principais preocupações e o que motiva na hora do voto, em nenhum estado aparece a questão ambiental", conta Mattos e Silva.
"No entanto, quando provocados a falar sobre o assunto, isso aparece de modo consensual, que é de fato um problema, mas sempre vinculado a um ponto mais concreto. Por exemplo, como as queimadas, que geram mais problemas respiratórios, fica mais difícil diferenciar as estações do ano etc. Mas, ainda assim, não se configura como um aspecto motivador", completa.
Na pesquisa, feita com apoio do Instituto Serrapilheira e do ICS (Instituto Clima e Sociedade), foram mencionados espontaneamente os principais problemas do Brasil na visão do eleitorado da Amazônia. Pelo número de menções, venceram, pela ordem: economia, saúde, infraestrutura (saneamento, asfalto e transporte), educação, segurança.
A pesquisa qualitativa foi realizada com nove grupos focais online, com, em média, oito participantes em cada um, compostos por homens e mulheres, dos dias 23 a 30 de maio de 2022.
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