BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A expansão do garimpo ilegal durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL) terá reflexo nas eleições de 2022.
Levantamento da Folha de S.Paulo mostra que, no pleito deste ano, ao menos 79 candidatos são ligados, direta ou indiretamente, à atividade garimpeira e à mineração de ouro. O partido com mais nomes é o PL, o mesmo do atual presidente da República, com 17, seguido da União Brasil, com oito.
A lista inclui postulantes a todos os cargos, com exceção de 2º suplente ao Senado. Os nomes mais proeminentes disputam por regiões como Pará e Roraima, onde a extração ilegal é mais forte, e se associam à imagem de Bolsonaro, que também foi contabilizado no levantamento.
À Folha de S.Paulo o presidente disse que garimpava ouro nos anos 1980 e, em um vídeo, afirmou que "sempre que possível" vai "num canto qualquer para dar uma faiscada" --referência à procura de minérios.
Na Presidência, apresentou projeto de lei para liberar a mineração em terras indígenas, usou a Guerra da Ucrânia como pretexto para acelerar sua tramitação e a Advocacia-Geral da União para defender a atividade. Ele também cumpriu a promessa de não demarcar novas terras indígenas, criou um programa para estimular a "mineração artesanal" e chegou a visitar uma região de garimpo ilegal em Roraima.
No levantamento da Folha de S.Paulo, a reportagem cruzou o banco de dados de processos minerários na Agência Nacional de Mineração com o de candidatos do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e suas respectivas empresas, além de identificar políticos que defendem publicamente ou trabalham em prol do garimpo.
Do total, 36 candidatos são donos de algum processo minerário relacionado a ouro, diamante ou cassiterita, os minerais mais associados ao garimpo ilegal.
Um deles é Rodrigo Cataratas (PL-RR). Candidato a deputado federal, ele é líder do movimento Garimpo É Legal e, segundo a Polícia Federal, integra um grupo suspeito de movimentar R$ 16 bilhões com ouro extraído ilegalmente da terra indígena Yanomami, entre outras atividades.
"A classe [dos garimpeiros] sentiu que não tem representantes, que está praticamente órfã de parlamentares que defendem seus interesses", afirmou ele à reportagem.
De acordo com suas estimativas, 70% do ouro extraído hoje em toda a Amazônia tem origem ilegal --não há dados oficiais para esse índice, e a cifra citada por Cataratas dá dimensão do tamanho da questão. "O presidente [Bolsonaro] é defensor dessa atividade, ele quer justamente que a atividade seja regularizada em todo o Brasil, e a gente também busca isso", afirma o candidato.
Com mais de R$ 100 milhões em bens declarados, Roberto Soares da Silva concorrerá a deputado estadual como Beto Ourominas, nome da empresa de sua família apontada pelo Ministério Público Federal como responsável por comprar mais de uma tonelada de ouro ilegal da terra indígena Yanomami.
Embora seja fundador da empresa, Roberto não é mais sócio da Ourominas. Ele disputa o pleito pelo PSC do Amapá, estado onde tenta conseguir aval para construir um garimpo próprio. Juarez Soares, irmão dele, responde na Justiça junto com a firma por crimes contra o ambiente, lavagem de dinheiro e contrabando.
"Sou apaixonado pelo Amapá e pelo ouro", diz ele. "A relação que tenho com a Ourominas é familiar e uma índole muito forte que defende a atividade. É possível restaurar o dano ambiental causado pelo garimpo até hoje, mas o preconceito impede o trabalho dos garimpeiros, que são estimulados à clandestinidade."
Luísa Molina, consultora do ISA (Instituto Socioambiental), afirma que o movimento de garimpeiros é, na verdade, liderado por empresários que financiam a atividade e que, devido a ela, ganham capital político --Cataratas, por exemplo, é dono de empresas de aviação e poços artesianos, além de lavras de garimpo.
"Os empresários do garimpo têm, hoje, uma força política que em nenhum outro momento tiveram desde 1988. É indissociável da ascensão da direita, do projeto bolsonarista para a Amazônia, das medidas do governo e do aparelhamento dos órgãos do ambiente e desmonte da fiscalização ambiental", afirma.
Raoni Rajão, pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), vai na mesma toada. Para ele, embora não seja a primeira vez em que nomes ligados ao garimpo se organizam politicamente, o que é legítimo, a novidade é o surgimento de candidaturas que "desafiam abertamente o Estado, questionando a polícia e o Ibama". "A apologia do garimpo ilegal e a defesa da impunidade tornou-se plataforma política."
Molina, do ISA, acrescenta que, tão forte quanto a organização para as eleições ao Congresso, é a articulação nos pleitos estaduais, uma vez que há projetos para liberação de garimpo em terras indígenas ou para flexibilizar a fiscalização à atividade em Assembleias Legislativas de estados do Norte.
Conhecido como "vereador dos garimpeiros" --mote que o elegeu em 2020--, Wescley Tomaz, de Itaituba (PA), concorre agora a uma vaga na Câmara dos Deputados pelo PSC. Ele é um dos principais lobistas do garimpo em Brasília e, nos últimos anos, teve encontros com Bolsonaro e seus ministros.
Em seu material de campanha, ele ostenta tanto a imagem do presidente como a do senador e candidato ao governo do Pará, Zequinha Marinho (PL), um defensor declarado da legalização do garimpo ilegal e dos madeireiros. Segundo reportagem da Agência Pública, Zequinha já enviou, por meio do seu gabinete, ofícios ao Ibama questionando a retirada de invasores da terra indígena Ituna-Itatá.
A lista de candidatos pró-garimpo inclui ainda políticos que buscam a reeleição, como os deputados Joaquim Passarinho (PL-PA), José Medeiros (PL-MT) e Silas Câmara (Republicanos-AM).
Há, também, nomes que tentam retornar ao Congresso, como Flexa Ribeiro (PP-PA), senador entre 2011 e 2018 e ligado a Dirceu Frederico Sobrinho, suplente em sua chapa de 2018 --quando não se elegeram.
Sobrinho é presidente da Associação Nacional do Ouro, dono da FD --Gold empresa acusada pelo Ministério Público Federal de comercializar ouro ilegal--, próximo do vice-presidente Hamilton Mourão e proprietário dos 77 kg de ouro ilegal apreendidos pela PF no interior de São Paulo, em maio. Ele foi preso no domingo (18) em São Paulo por ordem da Justiça Federal de Rondônia.
Um adversário de Flexa nesta disputa é Mario Couto (PL), cujo candidato a primeiro suplente é um dos mais experientes lobistas do garimpo no país: Zé Altino, 80. Ele, que manteve nos últimos anos uma rotina constante de encontros com Mourão em Brasília, é considerado um dos pioneiros da invasão da terra indígena Yanomami, em Roraima, e dirige a Associação dos Mineradores do Alto Tapajós.
Há defensores do garimpo em siglas de esquerda e de centro-esquerda, como PT, PSB e PDT. Sidney de Paula (PSB-MT), candidato a deputado estadual, ajudou a organizar em 2021 um evento sobre a atividade em Peixoto de Azevedo (MT). Como vereador, foi autor da lei que criou o dia do garimpeiro.
Odacy Amorim (PT-PE), outro postulante a deputado estadual, é titular de três requerimentos na Agência Nacional de Mineração para explorar minério de ouro em Pernambuco e na Bahia. Ele também é sócio da Everest Mineração, empresa do ramo que já teve as atividades suspensas, em 2018, por problemas com licença ambiental. Todos os citados foram procurados pela reportagem, mas não responderam.
Há também defensores do garimpo que pela primeira vez buscam uma vaga na política, como o Cabo Cairo (Pros-RO), policial que, de camisa verde e amarela, gravou um vídeo carregando um fuzil e pedindo a liberação do porte de armas para garimpeiros. "Do jeito que é hoje, o garimpo beneficia um grupo pequeno de empresários e políticos, meia dúzia de burgueses", afirma ele, que defende que todo garimpo tenha, por lei, fiscalização por satélite e a participação de um biólogo, um químico e um engenheiro ambiental.
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