Sexta-feira, 13 de novembro de 2009, atualizada às 18h55

Teles forjam campanha contra plano nacional de banda larga

Carlos Lopes*

Nos últimos dias, contra o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), foi desencadeada uma campanha especialmente cínica e mentirosa.

No dia 8, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, reuniu-se com os presidentes da Telefónica, Embratel, TIM, Oi e Claro. Ao final, declarou que sem as teles “é absolutamente impossível enfrentar esse grande desafio [a universalização da banda larga]. Se tem um grupo que vai fazer um projeto sem a presença dos empresários, eu prefiro fazer o meu separado”.

Um ministro não deveria fazer tal tipo de declaração. Indo, sem mais delongas, ao cerne da questão: trata-se de pura sem-vergonhice. Costa sabe que o PNBL, que está sendo elaborado sob a coordenação do secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, engenheiro Rogério Santanna, contempla “os empresários”, e empresários em número muito maior do que os cinco capatazes com os quais se reuniu — que nem empresários são, apenas funcionários de monopólios. O ministro sabe disso porque estava presente na reunião do Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital, no dia 15 de setembro, quando, em presença do presidente Lula, Santanna apresentou as linhas gerais do PNBL, que são:

  1. Investimento de R$ 1,1 bilhão para ligar a rede estatal já existente de 30 mil km de fibras óticas — pertencentes à Petrobrás, Furnas, Chesf, Eletronorte e Eletronet — à sede dos municípios de 23 Estados.
  2. Da sede de 4.245 municípios até a casa dos cidadãos (a chamada “última milha”), o projeto de Santanna prevê a participação da iniciativa privada, através de inúmeras empresas não-monopolistas, possibilitando o acesso, via banda larga, de 162 milhões de pessoas à Internet.

O ministro não opôs objeção ao projeto apresentado por Santanna. Por quê? Porque somente agora as teles, com seus sólidos argumentos, o convenceram do contrário? Ou porque sua posição é tão indefensável que tem de falsificar a de Santanna para advogar os interesses das teles — o que não poderia fazer na presença do coordenador do plano?

Costa foi em frente: arrumou uma comissão, formada pelas teles, para fazer um plano “alternativo”. Primeira providência da comissão: pedir isenção fiscal (vá lá: “desoneração”) para que as teles participem do PNBL. Segundo Costa, é assim que o governo vai gastar menos...

Na reunião de 15 de setembro, em que estavam presentes, também, a ministra Dilma Rousseff e o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, o presidente determinou a conclusão do PNBL em 45 dias.

No dia 1º de outubro, um assessor da Casa Civil, sem ter autoridade para isso (ou apenas com a autoridade da ignorância e a audácia da estupidez), atacou o PNBL e defendeu as teles. Disse ele: “é preciso também trabalhar com a iniciativa privada” — como se Santanna não estivesse fazendo isso.

O projeto de Santanna, repetimos, contempla especificamente a iniciativa privada. Não contempla os monopólios, porque eles são um entrave à universalização da banda larga — tanto assim que até hoje não a realizaram, apesar de serem tão beneficiados que os benefícios só não saem pelo ladrão porque eles são os próprios. Mas, para o assessor, iniciativa privada e monopólio privado são a mesma coisa. De onde se conclui que ele não tem a menor ideia do que é “iniciativa privada”. Usando como critério a própria ignorância, ele pregava a submissão aos monopólios — que não conhecem outra espécie de relação, sobretudo gangsters como a Telefónica: ou submetem a sociedade ou a sociedade os submete.

Como disse Santanna, as teles "levaram a um processo de concentração e encarecimento da banda larga, com 90% das conexões abaixo de 1 Mbps, o que não é banda larga pela União Internacional de Telecomunicações (UIT). O custo cobrado por essas concessionárias pela banda larga chega a 100% do cobrado pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). Se as operadoras são parceiras em algum momento, é para atrasar. Nem sequer é problema de dinheiro, porque a empresa que entrou em colapso em São Paulo [a Telefónica] é muito rica. O problema é de gerência e de falta de concorrência."

Por isso — que é óbvio para a maioria dos usuários — Santanna propõe que a "última milha" seja efetuada por empresas privadas não monopolistas e que o gerenciamento do sistema fique com uma empresa pública, preferencialmente a Telebrás.

Três dias após a reunião de Costa com as teles, no carcomido "Estadão", um manjado lobista publicou um artigo: "Como poupar R$ 15 bilhões na banda larga". Obviamente, entregando a banda larga para as teles.

Mas, que "R$ 15 bilhões"? Segundo o sujeito, esse seria o verdadeiro custo do PNBL. De onde ele tirou essa quantia? De lugar algum. Mas atribui-a a "especialistas" anônimos. Poderia ter chutado R$ 17, R$ 24 ou R$ 100 bilhões, e daria na mesma coisa — segundo ele, sai mais barato para o governo passar a rede de fibras óticas das estatais para as teles ("integrar as redes de operadoras com as redes estatais").

Repare o leitor nesta pérola: "um grupo de funcionários liderados por Rogério Santanna (...) vinha defendendo a reativação da Telebrás, para que a velha estatal viesse assumir, sem a participação das empresas privadas, a coordenação e a operação da futura Rede Nacional de Banda Larga".

Isto é, literalmente, mentira. A proposta do PNBL inclui a participação das empresas privadas — e em número muito maior do que os monopólios da telefonia. Empresa privada e monopólio não são a mesma coisa. Aqui, não se pode falar de ignorância nem de mera sem-vergonhice, mas de má-fé. Desembrulhado esse embrulho, o sujeito está advogando o esmagamento das empresas privadas não monopolistas pelos monopólios, com o fim de qualquer concorrência na banda larga — e com os usuários (e o Estado) arcando com os sobrepreços e a qualidade desastrosa dos serviços. Com algumas isenções fiscais e dinheiro do BNDES, chegamos ao paraíso monopolista.

Particularmente canalha é esse trecho: "esse lobby dentro do governo não tem atuado apenas com balões de ensaio, mas com declarações extemporâneas que provocam variações brutais na cotação das ações da Telebrás. Seria oportuno saber quem está lucrando com essa manipulação de ações".

De quem os defensores do bem público são lobistas? De ninguém. Mas o lobista lança a sua condição sobre outros, e, de quebra, uma calúnia, pois sabe que Santanna, ao demitir-se da Telebrás, declarou que o fazia para que não fosse acusado de provocar, com suas declarações, especulações bursáteis.

Outra canalhice; "o país poderia desperdiçar no mínimo R$ 3 bilhões. Ou muito mais, pois o montante de R$ 3 bilhões não passa de um chute de Rogério Santanna, o mesmo cavalheiro que havia previsto há uma semana a necessidade de apenas R$ 1,1 bilhão para dar maior capilaridade à rede".

Aqui, sumiram os R$ 15 bilhões. No entanto, acusa os outros de "chutar", ao mesmo tempo que cita custos de despesas diferentes como se fossem a mesma: R$ 1,1 bilhão é a estimativa do PNBL com a última milha sendo efetuada por empresas privadas. Santanna estimou R$ 3 bilhões se o Estado também efetuasse a "última milha", exatamente para argumentar contra essa alternativa.

O mais espantoso disso tudo é como as teles não conseguiram coisa melhor para seus papagaios repetirem. Talvez, para elas, não exista coisa melhor...

*Texto publicado no Jornal Hora do Povo no dia 14 de outubro de 2009

Teles forjam campanha contra plano nacional de banda larga


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