O que muda com a aprovação do Marco Civil da Internet? Entenda a lei
Sancionado pela presidente Dilma Rousseff, Marco Civil da Internet ainda gera dúvidas para internautas
Repórter
30/04/2014
A Lei 12.965, conhecida publicamente como Marco Civil da Internet, sancionada pela presidente Dilma Rousseff na última quarta-feira, 23 de abril, ainda nem entrou em vigor, mas já gera dúvidas sobre o que vai mudar no cotidiano do internauta. Pensando nisso, o Portal ACESSA.com consultou especialistas na área de Comunicação, Direito e Tecnologia para ajudar nosso leitor a entender como muda na prática a nova lei.
Segundo a professora do curso de Comunicação Social do Centro de Ensino Superior (CES) de Juiz de Fora, Lucia Schmidt, a primeira grande mudança, após a regulamentação da lei, será a garantia da liberdade de expressão na Internet. "Este é um princípio garantido pela Constituição Federal, mas a falta de uma legislação garantindo essa liberdade no espaço virtual fazia com que algumas pessoas sentissem-se no direito de acionar judicialmente para que tal blog ou mecanismo de busca tivesse suas ações cerceadas e limitadas. Políticos recentemente fizeram uma tentativa de impedir o Google de manter registros de suas atividades e, com isso, tentando limitar as pesquisas sobre suas ações no passado", lembra.
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A advogada especializada em Direito da Mídia , Lidiane Souza, concorda. "Considero importante haver uma regulação do ambiente virtual. Até então, a internet era considerada "terra de ninguém". Muitos tentavam encontrar brechas na legislação tradicional para desrespeitar direitos dos usuários. A Lei 12.965/2014 ficou conhecida como a Constituição da Internet. A comparação é válida ao observar que apresenta, em sua parte inicial, princípios norteadores para o desenvolvimento da internet, a proteção das empresas e dos usuários. Mesmo tratando de questões amplas, ainda definiu um caminho para controle dos provedores e também da preservação dos dados daqueles que usam a rede mundial de computadores. Vale ressaltar que o trabalho dos legisladores, apesar das críticas, foi bem recebido pelo criador da internet, Tim Berners-Lee. Sendo assim, não pode ser considerado um projeto retrógrado como alguns chegaram a levantar durante sua discussão", afirma.
Neutralidade da rede
Segundo o diretor técnico da ACESSA.com, Sérgio Faria, a lei veio para mostrar à sociedade o que ela quer da internet. "Quando a internet comercial começou, trouxe a realidade do mundo real para ela. Ao mesmo tempo em que pode ser algo bom e positivo, pode ser perverso e maldoso. Para garantir um melhor uso e uma democratização, surgiu o Marco Civil para garantir a neutralidade da rede", diz.
A neutralidade, inclusive, foi um dos temas mais discutidos durante a elaboração do projeto. Isso porque operadoras que prestam serviço de internet fazem uso de traffic shaping, termo inglês que trata da prática de priorização do tráfego de dados, especialmente na limitação de banda disponível em serviços de grande consumo de dados, como downloads e vídeos online. "A manifestação política da sociedade trouxe essa necessidade. Nos Estados Unidos, a Federal Communications Commission - FCC (Comissão Federal de Comunicações), vem discutindo justamente o contrário. Eles querem que alguns dados sejam priorizados. Na prática, por exemplo, pode-se privilegiar pacotes de áudio e vídeo, para uma videochamada, e atrasar a entrega de um e-mail em alguns segundos, por exemplo. Isso pode dar um comportamento mais isonômico para a rede. O que não se pode haver é uma discriminação de acesso por critérios de acesso políticos, comerciais ou religiosos. É compreensível que você tenha essa discriminação no critério técnico", opina Faria.
Censura na rede
Outro ponto levantado pelos usuários é se vai haver ou não censura de conteúdos na grande rede. Segundo Lidiane, essa ideia não é no campo do Direito. "Quem fala em censura, pensa no fato de que as informações dos usuários ficarão guardadas por prazo determinado sob responsabilidade do provedor e que certos dados poderão ser repassados ao Governo, sem consentimento explícito do proprietário, poderão gerar uma ação de autocensura daqueles que navegam na internet. Muitos poderão ficar com receio de que seus dados sejam utilizados de forma inapropriada. Sendo assim, poderão deixar de agir naturalmente, evitando deixar rastro para as empresas e o Poder Público. Considero que o fato de obrigar os provedores a guardar os registros de navegação seja positivo em questões judiciais. As provas, que antes poderiam se perder no mundo virtual, agora serão facilmente acessadas, desde que aquele que tiver sofrido a lesão entre com uma ação dentro do prazo previsto. No entanto, este mesmo dispositivo legal pode ajudar alguém mal-intencionado a obter dados sigilosos e utilizá-los para prejudicar o dono das informações. Mas, vale lembrar que, atualmente, e isso é antes do início da vigência da lei, esta situação é ainda pior, já que não há proibição para que os provedores guardem essas informações e nem um controle de como são utilizados esses dados. Basta observarmos a quantidade de publicidade que aparece em nossa tela, baseada em dados que temos em nossos e-mails e páginas de rede social", explica.
Ainda na questão de utilização de dados, o Marco Civil da Internet prevê que eles só poderão ser feitos pelas empresas com expressa autorização do usuário. "Haverá alguma opção para que não concordemos com isto? Os documentos de políticas de sites só oferecem a opção "li e concordo". E se, por exemplo, temos uma conta em uma rede social que muda sua política de privacidade. Se não estivermos de acordo, poderemos continuar com nossa conta na rede social?", questiona a advogada.
Segundo Lucia, aqueles que falam de censura não entenderam a essência do projeto. "Basta verificar o artigo 19, que diz que "com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário". Ou seja, somente por ordem judicial após apresentações de provas e contraprovas poderá ser eliminado algum conteúdo da internet", afirma a jornalista.
Cibercrimes
Os crimes cibernéticos, conhecidos como cibercrimes, ainda não ganharam nenhuma garantia de solução através do Marco Civil. Isso porque o texto não traz uma questão específica em relação a essas infrações, que já são discutidas em outros projetos de lei. "No entanto, alguns dos princípios levantados pela norma sancionada recentemente pela presidente Dilma Rousseff, poderão nortear a aplicação de sanções penais aos infratores. Entre esses princípios, podemos citar a preservação da privacidade. Temos não apenas os crimes, mas também ilícitos civis que são praticados no ambiente virtual. Para alguns desses, o Marco Civil fez uma previsão de responsabilidade. Ao contrário do que vem ocorrendo nos julgamentos, o documento retira do provedor a responsabilidade por ato praticado por terceiro em seu site. Para garantir a liberdade de expressão, as empresas não serão obrigadas a retirar o conteúdo postado por seus usuários sem que haja decisão judicial, exceto em caso de pornografia. Pelo texto legal, elas não serão obrigadas a tirar do ar estas postagens, mas, acredito que, para se preservarem, o ideal é que ajam com cautela e, analisando as denúncias feitas pelos usuários, suspendam o conteúdo, seja até o resultado de um processo interno ou a decisão definitiva da Justiça. Desta forma, acredito que vão se resguardar e proteger também aqueles que confiam em sua credibilidade. Imagine o estrago que poderia ocorrer na imagem de uma empresa que mantém uma postagem que é considerada, posteriormente, ilegal pelo Judiciário. Em relação à legislação, sua posição estaria resguardada. No entanto, no que diz respeito à imagem perante a sociedade, os prejuízos poderiam ser incontáveis", argumenta Lidiane.
Para Faria, a lei traz segurança jurídica para empresas que lidam com tecnologia. "Antes a empresa ficava dependendo da interpretação do juiz para saber se guarda um log ou não, se você tira um conteúdo do ar ou não, se exige uma ordem judicial para retirada de conteúdo ou atende um pedido imediato de um delegado. Isso gerava uma insegurança jurídica para a empresa. Eu posso ter um conteúdo que alguém tem e uma outra parte se sentir ofendida, ir na justiça e pedir para tirar. Se eu tiro, corro o risco de ser processado pelo autor, se não tiro, poderia ser envolvido como coautor de uma prática que vai através da interpretação de alguém. Com essa base legal que o Marco Civil proporciona, está claro que ninguém pode chegar aqui e falar "tire tal conteúdo do ar". A única coisa que não são casos de pedofilia e pornografia, que extrapola o campo político. Vai para o bom senso. Está no campo da razoabilidade. Você vê situação de pedofilia, sabe que é uma coisa agressiva, que foge aos padrões de ética de convivência com a sociedade. Como provedor de conteúdo, você vai agir e retirar e fazer a denúncia aos órgãos competentes. O grande problema continua com servidores de fora do Brasil, mas ainda pode-se garantir uma certa prioridade nisso. Pode ser mais ágil, mas temos que esperar para ver como vai ser essa aplicação da lei. Temos que ver como os provedores de conteúdo vão se preparar para atender essa demanda. Da nossa parte, como uma pequena empresa, agimos rapidamente dentro da lei e dos critérios da razoabilidade", conta o diretor técnico da ACESSA.com.
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