Por indicação, comecei a assistir à série Adolescência, da Netflix. A princípio, imaginei que seria uma abordagem sobre adolescentes ou jovens e suas crises. Mas, ao assistir esta série, bastaram alguns minutos para perceber: aquilo que parece exagerado, caótico ou até bobo é, na verdade, um espelho (distorcido, sim, mas real) de muita coisa que a gente continua vivendo, mesmo depois de deixar a adolescência para trás. Neste contexto, a série é um mergulho, e não aqueles rasos, com os pés ainda tocando o chão; é um mergulho profundo em temas urgentes da sociedade contemporânea. Tem quem diga que é demais: há excessos, transgressões, corpos expostos, escolhas impulsivas e muita intensidade. Mas a vida, às vezes, também é demais: ela quer transbordar e pulsar.
Ao longo dos episódios, a série traça um paralelo com a chamada teoria dos 80/20, usada para explicar que 80% dos efeitos vêm de apenas 20% das causas. Aplicada simbolicamente à experiência dos personagens, essa lógica adquire uma dimensão existencial: A adolescência parece sugerir que grande parte do sofrimento, do vazio e do tédio que atravessam a vida humana tem como causa uma fragmentação aparentemente sutil, mas profundamente enraizada na adolescência: causas estruturais e afetivas, como a ausência de vínculos reais, a pressão por performar e a solidão silenciosa em meio à hiperconexão. E, assim, o tédio se normaliza, e os efeitos sobre a existência se tornam uma conta injusta, difícil de ser paga (ou paga pela própria vida). Com efeito, a série nos convida a encarar nossa existência não apenas como uma fórmula de porcentagem matemática, mas como o retrato de uma época. E se for mesmo assim? E se estivermos vivendo um tempo em que o tédio virou rotina e o prazer, um espetáculo cuidadosamente encenado entre filtros e performances digitais?
Como educador, não posso deixar de me perguntar: que tipo de educação é esse que ensina a aceitar o tédio como parte natural e irreversível da vida? Que escola é essa que se prepara para competir, obedecer e produzir, mas que, no caminho, sufoca a criatividade, o pensamento crítico e a capacidade de imaginar outros mundos possíveis? Quando a gente educa (ou escolariza), não estamos lidando somente com conteúdo programáticos, nos relacionamos com dores e sonhos, mesmo quando não sabemos. A educação que ignora isso se torna um grande silêncio diante do grito. E a escola? A escola precisa reaprender a fazer perguntas e mostrar seu potencial criativo: menos fórmulas, mais escuta ativa; menos adestramento, mais presença. Porque educar adolescentes ou adultos é um exercício de afeto e coragem; é aceitar que a dor existe, que o vazio é real, mas que pode ser atravessado com arte, com diálogo, com cuidado e humanidades.
No fim das contas, Adolescência não é só sobre adolescentes ou jovens em crise; é sobre todos nós tentando sobreviver ao descompasso entre o que sentimos e o que esperamos de nós. É sobre uma sociedade que maquina prazer e normaliza o vazio, enquanto a educação, muitas vezes, segue anestesiada, repetindo fórmulas que não tocam a vida real. Talvez o papel da escola e da própria experiência educativa seja justamente o de tensionar esse modelo de vida esvaziada: de não se adequar às reproduções estéreos, mas cultivar brechas, presenças e encontros que devolvem sentido ao cotidiano.
Que sejamos capazes de acompanhar, com escuta e presença, aqueles que ainda tateiam a vida, tentando transformar em caminho aquilo que ainda é peso.
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