SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O alerta "beba com moderação" deixou de ser tratado apenas como uma menção burocrática na publicidade da cerveja. O consumo moderado hoje é visto pela indústria como um mercado nada desprezível, que vem recebendo investimento e pesquisa para atender a demanda crescente.
O contexto em que esse movimento ocorre é o avanço na tendência de alimentação e hábitos saudáveis, que ganhou tração na pandemia, mas também o surgimento de estatísticas que sinalizam uma redução no consumo de bebidas alcoólicas pela geração mais jovem.
Exemplos disso são a Corona com vitamina D, a Stella Artois sem glúten e a Bud Zero, sem álcool, entre outras versões que a Ambev lançou nos últimos ciclos de inovação, além das bebidas com redução de calorias.
Entre os novos produtos que tentam se diferenciar da cerveja tradicional, a categoria mais relevante é a da bebida com teor alcoólico próximo de zero.
Foram mais de 390 milhões de litros vendidos no ano passado, um salto expressivo se comparado ao patamar de 140 milhões de 2019, segundo estudo do Sindicerv (sindicato da indústria, que reúne Ambev e Heineken) com base em dados da consultoria Euromonitor.
Para 2023, a estimativa é de 480 milhões de litros vendidos.
Os números ainda parecem discretos se comparados ao mercado total da bebida alcoólica tradicional, que gira em torno de 16 bilhões de litros, ou seja, a cerveja sem álcool ainda representa uma fatia de apenas 3%, mas os crescimentos anuais recentes são considerados uma "explosão", segundo Márcio Maciel, presidente executivo do Sindicerv.
Segundo ele, o setor ainda não tem uma definição específica de quem é esse consumidor porque o mercado é recente. Há indicações de que as pessoas têm uma preocupação cada vez maior com o que estão consumindo, especialmente na indústria de alimentos e bebidas, além da transformação geracional.
"O jovem está bebendo menos. Isso é uma coisa que as empresas já identificaram. Eles estão mais receosos de como vão ficar em rede social", diz Maciel.
De acordo com os dados mais recentes do Ministério da Saúde, a parcela de jovens entre 18 e 24 anos que fizeram consumo excessivo de álcool caiu de 25% em 2020 para 19,3% em 2021. Na faixa etária dos 25 aos 34 anos, essa queda foi de 30,9% para 25,5% no mesmo período.
A despeito da tendência de busca por hábitos saudáveis, estudo do Cisa (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool) aponta que, na prática, as preocupações de ordem social, como o medo de dar vexame, são mais determinantes para o jovem moderar o consumo do que os efeitos prejudiciais à saúde.
Neste mês, o grupo Heineken anunciou um investimento de R$ 80 milhões para elevar a capacidade da fábrica de Araraquara (SP) na produção de sua cerveja sem álcool, que foi lançada no Brasil em 2020.
Segundo a empresa, no ano seguinte, o país se tornou o mercado que mais consome a versão não alcoólica da marca no mundo, e a expectativa é chegar a 100% de seus pontos de venda abastecidos com o produto até 2025.
Na Ambev, o mesmo centro de inovações tecnológicas que desenvolve novas bebidas também cria projetos para o chamado Smart Drinking Lab, uma área dedicada ao conceito de moderação e consumo responsável.
Em maio, a companhia lançou um aplicativo com inteligência artificial batizado de Flow Voice para identificar na voz do usuário se ele está embriagado.
No ano passado, a Ambev promoveu uma ação da marca Beats para lançar uma espécie de barrinha de cereal que reduz a absorção do álcool no corpo, segundo a empresa.
Para Gustavo Castro, diretor de Inovação da Ambev, a retirada do álcool também possibilita a abertura de novas ocasiões de consumo, como o horário de almoço, o que ajuda a expandir a categoria.
Até o fim de 2025, a meta da empresa é que os produtos com pouco ou nenhum teor alcoólico representem pelo menos 20% do volume global de cerveja da AB Inbev.
Segundo Daniel Baumann, mestre cervejeiro e diretor do Centro de Inovações da Ambev, a transformação passa por um esforço de pesquisa, tanto para entender os desejos do consumidor quanto para a evolução dos produtos.
A possibilidade de reduzir o teor alcoólico da cerveja já existia há décadas, mas as bebidas não alcançavam o sabor das versões tradicionais. Era o caso da Kronenbier, que chamou a atenção pela novidade nos anos 1990.
"Hoje existem equipamentos modernos que retiram o álcool e projetos constantes para melhorar as receitas", afirma Baumann.
O mercado de cervejas artesanais também investe na categoria, embora não tenha os recursos das grandes indústrias para executar a mesma escala do processo de redução do etanol (que chega a 0,03% de teor alcoólico máximo no caso da Heineken).
Segundo Luiza Lugli Tolosa, fundadora da cervejaria Dádiva, de Várzea Paulista (SP), sua cerveja de estilo golden ale tem teor alcoólico até 0,5%.
"O equipamento que retira o álcool é muito caro e difícil para as empresas menores terem acesso. Na nossa cerveja, o que a gente usa é uma levedura diferente, que fermenta açúcares que não resultam em álcool", diz Tolosa.
Lançado em 2019, o produto não representa 10% do faturamento da Dádiva, segundo ela, mas a demanda é contínua e a empresa não pode ficar sem estoque, porque os consumidores se queixam quando falta.
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