Segundo a professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFF, Regina Bienenstein, um dos principais impactos de tragédias como essas é a constante sensação de risco, que leva moradores ao estado de alerta a cada vez que chove.
“Você pode perguntar: por que eles não saem? Eles não saem porque não tem alternativa, então ou eles moram ali, ou moram na rua, e onde é menos perigoso? Hoje, eu não sei”, avalia a pesquisadora.
O Censo de 2022 mostra que Niterói concentra 15,73% (36.304) dos domicílios em favelas e comunidades urbanas. Ao todo, 86.983 pessoas residem em favelas na cidade, representando 18,06% da população total. A maioria se identifica como negra (73,26%), sendo 47,72% autodeclarada parda e 25,54% preta.
No Indicador de Capacidade Municipal (ICM), do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Social (MIDR), Niterói surge entre os 1.972 municípios mais suscetíveis a ocorrências de deslizamentos, enxurradas e inundações a serem priorizados nas ações do Governo Federal de gestão de risco e de desastres. Com base em dados coletados de 1991 a 2022, a cidade possui 33.822 pessoas em áreas mapeadas como de risco geo-hidrológico, cerca de 7% da população total do município (481.758).
Para Bienenstein, Niterói carece de uma política de garantia de moradia a todas as parcelas da população, especialmente a mais vulnerabilizada. “Niterói precisa olhar para essa cidade popular, porque o Executivo municipal hoje não olha. Quando olha, é para fazer intervenções pontuais, que não garantem o direito à habitação, como a Constituição considera. A Constituição considera que o direito à moradia não é somente o direito a uma casa, mas também à acessibilidade, à mobilidade, a serviços, à infraestrutura e a não ter riscos”, defende.
A Prefeitura de Niterói afirma que tem investido em melhorias de infraestrutura nas comunidades da cidade desde 2013. Nesse período, mais de R$ 1,5 bilhão foi investido em obras de drenagem, pavimentação e contenção de encostas em todas as regiões do município. Conforme a Prefeitura, “as ações acontecem de acordo com um trabalho criterioso de análise que segue o Plano de Gerenciamento e Prevenção de Riscos. Essas obras são essenciais para prevenir ocorrências graves em casos de chuva extrema”.
A pasta também informou que, desde 2013, a Defesa Civil de Niterói foi estruturada e realiza o monitoramento constante da cidade com sistema de alerta e alarme por 37 sirenes instaladas em locais estratégicos de 33 comunidades e 46 pluviômetros automáticos. Como uma das estratégias de resiliência, também foram criados 153 Núcleos de Defesa Civil (Nudecs) em diversas localidades, que contam com a participação de cerca de 3,4 mil voluntários para apoiar as ações emergenciais.
Em caso de necessidade de evacuação das casas, a Prefeitura expressou que existe um planejamento e mapeamento de rotas de fuga com um ponto de apoio estabelecido para receber os moradores e acrescentou que, em 2024, foi instalado um novo radar meteorológico que permite maior previsibilidade e acompanhamento das tempestades, além de possibilitar estudos de mitigação de riscos e demais projetos voltados ao aumento da proteção do cidadão e da capacidade de resiliência do município.
“A Secretaria de Defesa Civil, Resiliência e Clima está implementando ainda um pacote de ações que aliam a experiência e técnica dos seus agentes com a captação de imagens de drones e satélites, mapas georreferenciados, sensores e robôs. As ações tecnológicas estão dentre os planos de tornar a cidade mais resiliente e envolver cada vez mais os moradores para minimizar os impactos das mudanças climáticas, como incêndios em vegetação e tempestades severas”, complementou.
Para o pintor Raphael Lacerda de Abreu, a falta de prevenção foi a grande falha da cidade na época do desastre. “Sempre pagamos tudo do terreno, IPTU, água, luz. Será que eles não conseguiriam fazer um levantamento dizendo que ali seria impróprio (para moradia)? Até no próprio Bumba, deixaram construir em cima de um lixão. Você sabe que vai dar ruim, que em algum momento vai ter problema”, continua.
“As pessoas se foram. O apagamento existe para quem não perdeu nada, sabe? Para mim, que perdi e perdi muito, não existe. Foram quatro pessoas, três da família, então, não existe apagamento”
Para o presidente da Associação de Vítimas do Morro do Bumba, Francisco Carlos Ferreira de Souza, se não fosse a participação de voluntários da cidade e de outros municípios, como São Gonçalo, o resgate das vítimas teria sido muito mais difícil. “Se não fosse a solidariedade das pessoas, não só daqui de Niterói, como também de outros estados, até chegarem o Estado ou o Município, demoraria muito”.
*estagiária sob a supervisão de Gilberto Costa.
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Deslizamento de Terra | Habitação | Morro do Bumba | Niterói | Tempora
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