Ajuru, turu e caranguejo-uçá são espécies de frutos e animais que fazem parte da cultura alimentar e da economia da maior faixa contínua de manguezal do mundo. São tão presentes no dia a dia dos moradores de Bragança, no estado do Pará, que é bem comum receber um convite para tomar um caldo do molusco turu, ou para catar ajuru, um fruto rosado e doce, na praia.
Localizada na chamada Região do Salgado, no nordeste do estado, a cidade da Amazônia também está às margens do Oceano Atlântico e por isso mistura as paisagens da floresta com a vida marinha, resultando em uma natureza única no planeta: um manguezal que se estende desde a costa do estado do Pará até o Maranhão, por 679 quilômetros. É a maior extensão contínua desse ecossistema do planeta.
Segundo o pesquisador Marcus Fernandes, coordenador do Laboratório de Ecologia dos Mangues, da Universidade Federal do Pará (UFPA), a presença abundante desse ecossistema costeiro posiciona o Brasil como o segundo país com a maior área de manguezal do mundo, atrás apenas da Indonésia. E a costa amazônica, que inclui os estados do Amapá, Pará e Maranhão, concentra mais de 80% dessas áreas. “É uma região extremamente diferenciada, porque tem uma bacia hidrográfica muito grande de água doce e aí diferencia muito dos outros manguezais da costa brasileira. Da costa Nordeste, que tem uma bacia fluvial menor, da costa Sudeste e da costa Sul”, explica.
Estudantes participam do projeto Escola Vai ao Mangue, do Instituto Peabiru - Projeto Mangues da Amazônia/Divulgação
De acordo com Fernandes, o grande volume de água doce carrega sedimentos e nutrientes que tornam esse ecossistema único na Região Norte do país.
“Aqui, a gente tem uma alta conectividade com diferentes sistemas. Conectividade tanto com os recifes de coral – os corais amazônicos que se descobriu desde a década de 70 – conectividade com todo um outro tipo de floresta de novos ecossistemas como várzeas de maré, igapós, terra firme, restingas e outros sistemas que são florestados e são tão ricos também em diversidade, tanto de fauna quanto de flora”, destaca.
Vivência
Apesar de o Brasil estar entre os 15 países com as maiores zonas costeiras do mundo e ter mais da metade da população, 54,8%, vivendo no litoral, conhecer um mangue ainda é uma experiência para poucos. Aos 17 anos, Maria Eduarda Mendes mora no litoral, cresceu vendo o mar de Bragança, mas durante toda a infância só conhecia os manguezais pelas histórias que o avô e o tio pescadores contavam.
Em 2024, quando cursava o 1º ano no ensino médio, participou do Escola Vai ao Mangue, um projeto de educação ambiental promovido pelo Instituto Peabiru, uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip). Ao conhecer detalhes do ecossistema de água salobra, com uma biodiversidade diferente da floresta e também do mar, Maria Eduarda pôde sentir a textura da lama, ver as longas raízes da vegetação e aprender sobre os animais que trazia na memória de cada história ouvida.
“Quando a gente veio de lá, quando eu voltei, eu cheguei contando para todo mundo aqui de casa o quanto foi divertido e o quanto eu queria poder vivenciar isso cada vez mais”, lembra.
Projeto Mangues da Amazônia teve participação de cerca de 2 mil alunos e 300 professores em 2024 - Projeto Mangues da Amazônia/Divulgação
Segundo o coordenador do Escola Vai ao Mangue, Madson Galvão, o projeto é parte de um programa de educação maior chamado Mangues da Amazônia, que, somente em 2024, recebeu a visita de cerca de 2 mil alunos e 300 professores, de 29 escolas e duas instituições de ensino superior.
“Muitos desses estudantes veem a Amazônia só como uma floresta de terra firme. Mas não, a gente tem uma outra faixa, com outra feição, que é a Amazônia costeira, onde estão o ecossistema manguezal e o ecossistema marítimo. Então, quando eles chegam nessa Amazônia, eles veem as conexões dos nossos rios com a floresta, com o manguezal e o mar”, explica Madson Galvão.
Expansão
Em 2025, ano em que o Pará sediará a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, em novembro, os organizadores do projeto esperam expandir a capacidade e alcançar mais estudantes. Eles já planejam o encaminhamento de propostas de educação ambiental para a 1ª Conferência Internacional Infantojuvenil sobre Educação e Mudança do Clima, um encontro preparatório da COP, que também ocorrerá na capital paraense, entre 7 e 21 de março.
Imersão
Para Marcus Fernandes, as aulas a céu aberto são experiências sensoriais, científicas e de conscientização sobre a importância do manguezal para proteção da zona costeira, segurança alimentar da população local e capacidade de estocar carbono e proteger o planeta das mudanças climáticas. “O manguezal tem a capacidade de estoque superior à da terra firme, de duas a três vezes mais. Isso é importante para o efeito de equilíbrio ambiental”, explica.
Na vivência, à medida que os estudantes interagem com o ecossistema, as espécies são apresentadas. “A gente mostra como identificar as três mais dominantes: a Rhizophora mangle, o mangue-vermelho; a Avicennia schaueriana, o mangue-preto, e a Laguncularia racemosa, o mangue-branco. Então a gente trabalha a associação delas com o sedimento, e a partir daí a gente já vai entrando na fauna, porque é no mangue-vermelho, com solo mais lamoso e fácil de construir galerias e tocas, que o caranguejo tem uma maior distribuição associada”, detalha o coordenador do projeto.
Estudantes participam do projeto Escola Vai ao Mangue, do Instituto Peabiru - Projeto Mangues da Amazônia/Divulgação
Além de aprenderem sobre a distribuição dos manguezais na Amazônia e as espécies da fauna e da flora desse ecossistema, os estudantes participam do plantio de mudas para reflorestamento em áreas de manguezais degradadas.
“É muito incrível saber que a gente plantou coisas novas no mangue e quando eu passar de novo por lá, para ir à praia por exemplo, eu vou ver o quanto estará grande”, diz Maria Eduarda.
A partir das iniciativas de educação ambiental, o programa já recuperou 16 hectares de manguezal da Amazônia, onde o retorno dos caranguejos é monitorado e a variabilidade genética das espécies é estudada para identificação de sementes mais resistentes e que garantam maior sucesso em reflorestamentos futuros.
A interação com pescadores e extrativistas soma à experiência os saberes tradicionais, da economia e cultura alimentar regional. “É uma atividade que traz aprendizagens que são interdisciplinares, porque a gente vai lidar com uma série de temas lá dentro. Ciências, geografia, cultura local. A gente vai lidar com conhecimento da relação entre o meio ambiente e as pessoas e a sociedade”, conclui Fernandes.